
A PAISAGEM PORTUGUESA É UMA ODISSEIA NACIONAL
Apresentação do programa Odisseia Nacional | Teatro Nacional D. Maria II
Casa de Mateus, 28 de Janeiro 2023
A Odisseia continua…
Ao dar as boas-vindas a todos a esta sessão da tarde, quero saudar os autores do livro “Paisagem Portuguesa” Álvaro Domingues e Duarte Belo, o seu editor António Araújo e a Fundação Francisco Manuel dos Santos por nos proporcionarem esta magnífica oportunidade de discutir um tema fundamental e estruturante da nossa realidade, da nossa identidade, do nosso “ser”.
Agradecimentos a Manuel Sobrinho Simões, Joaquim Moreno pela participação no primeiro painel moderado por Filipa Melo que fará também as conclusões. À Dr. Célia Ramos Vice-Presidente da CCDR-N, e ao Prof. Luís Ramos Vice-Reitor da UTAD e especialmente ao Sérgio Barroso que veio de Lisboa para estar aqui hoje connosco, à Dr.ª Mara Minhava, Vereadora da Cultura do Município de Vila Real.
Saúdo os meus companheiros de mesa, e, muito especialmente, Rui Catarino, Presidente do Conselho de Administração do TNDMII que se associou a esta jornada com todo o brilho do Teatro Nacional e da sua Odisseia pelo País, e ainda a Prof. Doutora Laura Castro Diretora da DRCN que, para além de participar num dos painéis desta tarde, nos oferece o espetáculo do ensemble Lavoisier que se realizará pelas 18:30, no Barrão de Cereais, junto à Eira, concerto acompanhado de um Porto e de uma surpresa que criámos com os Maus Hábitos de Vila Real e que completa o programa mais líquido do dia que começou esta manhã com a estreia mundial em prova de 3 vinhos da marca Nosso, experiência laboratorial e exclusiva do nosso enólogo José Carlos Fernandes e clube de amigos, e cujo nome diz tudo.
A todos pela vossa generosidade e disponibilidade, um grande obrigada.
Para a Fundação da Casa de Mateus, foi um verdadeiro desafio marcar um encontro desta natureza neste frio mês de Janeiro, esperamos um dia ter condições para aumentar o conforto térmico das nossas instalações. Dito isto, tenho de confessar e espero que não me levem a mal por isso, que o confronto com o clima agreste transmontano faz parte do nosso programa. Sabemos, com acuidade crescente, que a relação do homem com o clima e com a natureza é o problema mais crucial do século XXI (isto, claro, se não se derem catástrofes mais radicais). Subtrair algumas das ilustres personalidades presentes ao conforto das cidades surgia como uma ocasião para fazer sentir na pele as circunstâncias do interior e simultaneamente o peso das condições ambientais nas condições de vida e de trabalho. Estamos, portanto, a falar de paisagem.
Falamos de paisagem e comummente se imagina uma imagem, uma pintura, um objeto estético – estamos aqui rodeados da belíssima coleção que a Liga dos Amigos do Douro Património Mundial [aproveito para saudar António Saraiva, António Fontaínhas e Teresa Andresen, nossa oradora daqui a pouco], promoveu para celebrar uma “paisagem” específica, muito nossa, o Douro. E todos os que aqui estamos sabemos que quando falamos desta paisagem se trata de muito, mas muito mais do que de “paisagem”. É certamente neste entranhamento e simultaneamente estranhamento em relação à paisagem que crescem – talvez até essencialmente – muitos dos “males sociais” que decorrem do facto de as nossas paisagens estarem doentes[1], de existir uma relação entre saúde mental, saúde do ecossistema e saúde dos solos[2], porque fazemos parte de um sistema eco-mental[3], que quando falha nos leva à perda de adesão ao Terrestre[4], estado que o filósofo ambiental Glenn Albrecht cunhou com o termo Solastalgia (2003).
Quando falamos de paisagem não podemos deixar de pensar no Antropoceno (“A idade do Homem”), afinal é nelas – nas paisagens – na expressão visual do ecossistema – que se torna mais evidente o impacto do Homem na “geolografia”. E se há paisagens doentes é precisamente, e por definição, por nossa culpa. [A paisagem que se desfaz, seja por que agressão for, acústica, visual, abandono, ou outra, torna-se tóxica para quem a vive, e constitui um roubo de valor incalculável às gerações que nos seguem.]
Esta sessão de hoje, abre, no programa da Fundação, a reflexão muito prática sobre qual o papel das instituições culturais na construção de uma alternativa, ou saída, do Antropoceno. Bem sei que é um bocado paradoxal pensar que o Homem pode sair da Idade do Homem, mas parece ser esse o desafio que se impõe. E não se trata, obviamente, de “sair do Homem, ou da sua idade” mas de contrariar a cultura que hoje é dominante, o cultura do saque, da extração, da competição, e de, em substituição, promover uma cultura da retribuição, do cuidado e da partilha. Nada de novo, mas sempre revolucionário.
Louvo as iniciativas da Fundação Francisco Manuel de Melo e do Teatro Nacional D. Maria II, de procurarem encontrar o País fora da sua zona de conforto. Sei que não é fácil, são precisas formas de permanência para realizar esse desiderato. As paisagens não se compadecem com visitas fugazes nem com o desenraizamento. Faço por isso votos para que a reunião de hoje dê frutos que nos voltem a reunir e nos ajudem a conhecer e reconhecer, construir e resconstruir, através do aprofundar das nossas colaborações, paisagens de futuro.
Para terminar queria referir um termo, que descreve uma prática, citado nesta “Paisagem Portuguesa” e que me parece importante reter:
“Geopoética — o conceito que o poeta escocês Kenneth White criou — é o nome que se dá à resistência face a um mundo desencantado, cruzando geografia com a literatura, a filosofia, as artes, os sentidos despertos; é um certo modo de ver e de dar a ver, observar, seguir por outros caminhos, cartografar… e fotografar.”
Face a um mundo desencantado há que descobrir caminhos para o re-encantar[5].
Façamos, pois, de nós, paisagem.
Teresa Albuquerque
[1] Aldo Leopold (1887-1948, norte-americano considerado o pai da ecologia da vida selvagem)
[2] Elyne Mitchell (1913-2002, autora australiana, “Speak to the Earth and it Shall teach Thee)
[3] Gregory Bateson (1904-1980, antropólogo inglês)
[4] Bruno Latour (1947-2022, filósofo, antropólogo e sociólogo francês)
[5] Bernard Stiegler (1952-2020, filósofo francês)
_________________________________________
O programa iniciou ao final da manhã, com a apresentação do programa Odisseia Nacional, pelo Teatro Nacional D. Maria II, com a presença de Rui Catarino, Presidente do Conselho de Administração do TNDM II, e de Luís Sousa Ferreira, adjunto de programação.
À tarde, propósito da apresentação do livro Paisagem Portuguesa, de Duarte Belo e Álvaro Domingues, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em Outubro de 2022, foi posta em discussão as múltiplas declinações do conceito de paisagem, desde logo com os comentários do Prof. Manuel Sobrinho Simões e do Arq. Joaquim Moreno e, depois, no seu confronto com as ideias de território e cultura, componentes materiais e imateriais com que se constrói a vida concreta das comunidades.
A relação entre paisagem e cultura será discutida por Teresa Andresen, presidente da Associação Portuguesa de Jardins Históricos e Laura Castro, Diretora Regional de Cultura do Norte, com a moderação de Mara Minhava, Vereadora da Cultura do Município de Vila Real. A discussão da relação com uma ideia mais vasta de território contará com as presenças de Luís Ramos, Vice-Reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Célia Ramos, Vice-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional – Norte, com a moderação de Sérgio Barroso, do Centro de Estudos de Desenvolvimento Rural e Urbano. As conclusões ficarão a cargo de Filipa Melo. A apresentação ficará a cargo de Teresa Albuquerque, Diretora-Delegada da Fundação da Casa de Mateus e de António Araújo, Diretor de Publicações da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Às 18h30, transitámos para o Barrão de Cereais, para um concerto breve da banda Lavoisier, que recentemente explorou o universo de Miguel Torga em Viagem a um Reino Maravilhoso, acompanhado de Porto de Honra.
O programa terminou com a estreia no Teatro de Vila Real, às 21h30, do espetáculo Vida Real, uma co-produção Ondamarela/Teatro Nacional D. Maria II, incluída no programa Odisseia Nacional.
Paisagem Portuguesa
«De Guadramil à praia do Telheiro, de Barrancos ao Corvo, que itinerários podemos seguir? Que paisagens encontramos? Procurámos elementos estruturais do território português, mas também a celeridade das transformações atuais. Sobrepusemos uma quadrícula ao mapa de Portugal e a cada um dos retângulos atribuímos uma fotografia. São 141 imagens e outros tantos textos em demanda de uma identidade tantas vezes convocada, mas afinal esquiva, multiplicada por muitos imaginários, acontecimentos e ficções. O país é pequeno, antigo e feito de uma única nação. A unidade é um engano ou não seja a serra do Gerês um dos pontos de maior pluviosidade da Europa e a margem esquerda do Guadiana o mais árido. Da gente temos notícias das misturas que houve, no passado, como hoje, os que chegam e os que emigram. A geografia e o tempo vão deixando um mosaico de registos, ora acentuando permanências que se perdem no tempo geológico e na raiz de tradições antigas, ora surpreendendo-nos com novidades do mundo global, muito para além da Taprobana.» Duarte Belo e Álvaro Domingues